terça-feira, 28 de julho de 2015

“Lesbos”, animot, mulheres e animais: os outros in(con)formados

by Andreia Marin

... Eros, que nos quebranta os corpos, me arrebata.
Doce-amargo, invencível serpente.
(SAFO, Poemas e fragmentos, 18).

O homem deseja que a mulher seja, ao mesmo tempo, animal e planta, e que se esconda por trás de uma armadura fabricada.
(BEAUVOIR, O segundo sexo, p.202).

Ser mulher. Ser animal. Enfraquecida a existência ontológica do “Ser” e a substantivação limitante de “mulher” e “animal”, restam categorias discursivas onde se pretendeu encerrar as mobilidades do vivente. Não à toa, a discussão sobre os conceitos de animalidade e de humano, atraíram as disposições ecofeministas: lá, onde o animal é nomeado, descrito como negatividade do humano, percebe-se já uma estratégia que parece impor-se também à definição e caracterização da mulher, lançando a ambos em uma falta.
No animal, trata-se da descrição de modos de ser que evidenciam aquilo que o impede de ser humano, forjada sempre por este, que se dá como referência. Na mulher, uma delimitação do seu espaço de subjetivação a partir de uma perspectiva onde a completude é o homem, de forma que a feminilidade é pensada sempre em referência ao masculino. Antropocentrismo e androcentrismo parecem, portanto, encerrados na lógica da auto referência e na prática de delimitação do outro, inevitável do interior dessa perspectiva.
Na obra O segundo sexo, Beauvoir aproxima a mulher do animal, na descrição do ponto de vista androcêntrico. Logo de início, cita Santo Agostinho: a mulher é um animal instável, assertiva que se enquadra perfeitamente na ideia de gradação das imperfeições, defendida por São Tomas, que reverbera 

em representações modernas e contemporâneas redutoras do animal. Quanto mais restrito ao devir orgânico, menos perfeito; quanto mais razão, maior perfeição. A mulher, assim, estaria mais longe da perfeição que o homem.
Apesar de partir do recurso de distinção entre vida e existência, comum à ontologia fundamental, Beauvoir o faz denunciando a diminuição do devir orgânico e a valorização do projeto existencial: “pela invenção da ferramenta, a manutenção da vida tornou-se para o homem atividade e projeto, ao passo que na maternidade a mulher continua amarrada a seu corpo, como o animal” (BEAUVOIR, 1970, p. 86).
Outro aspecto interessante do pensamento de Beauvoir: a mulher, tal qual o animal, assume, em alguns momentos, um estranho duplo que a encerra no destino orgânico, enquanto a lança em uma dimensão mítica, que parece não ser mais que um reflexo da necessidade de sentido do projeto existencial androcêntrico.
No presente texto, discuto elementos dessa aproximação entre mulher e animal, baseada no devir orgânico: o distanciamento entre corpo e razão; a maior permissividade à homossexualidade feminina em relação à masculina, revelando o interesse pela reprodução, para a qual o homossexualismo masculino representa um maior risco; o duplo natureza-sagrado a que são destinados o animal e a mulher. A escrita é composta com a filosofia de Beauvoir, pela conformação do feminino, com a poética de Safo – “Lesbos” como recaptura do plano existencial feminino -, e com as provocações contemporâneas de Derrida – Animot como espaço de escape para a animalidade -, Agamben e Foucault.



Biografia:
Prof. Pesq. Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Grad. Biologia (USP) e Filosofia (UFPR)
Dra. Ecologia e Recursos Naturais (UFSCar)
aamarinea@gmail.com

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